sexta-feira, 19 de março de 2010

Vigiar e Punir - Michel Foucault


Foucault tem como grande mérito acadêmico ter realizado a historiografia de diversas instituições que são fundamentais para a dinâmica das sociedades atuais. Já abordou de forma exaustiva a sexualidade, a loucura (e os hospícios), os hospitais e, nesse conhecido e controverso trabalho, abordou a questão da punição frente ao sistema penal como conhecemos hoje.
Para tanto, Foucault parte dos suplícios comumente aplicados aos criminosos, citando tenebrosos trechos de sentenças comuns nos séculos XVII e XVIII. Trata-se de decepamentos, perfurações, esquartejamentos e outros mecanismos de punição que buscavam dar o exemplo para a população e mostrando que qualquer crime atingia, em última instância, à figura do soberano. Logicamente, qualquer ataque à figura real deveria ser neutralizado com a máxima brutalidade, de forma a manter inabalada sua onipotência.
Ao longo do tempo, a dinâmica punitiva se altera com base no esfacelamento do poder absolutista, fazendo emergir os aspectos cruéis dos suplícios. Paulatinamente, o crime passa a ser punido com a simples retribuição do ato cometido. Como exemplo, alguém que tivesse esfaqueado um indivíduo deveria ser esfaqueado de forma semelhante pelo carrasco, que não tinha mais o direito de fazer o criminoso sofrer além do que havia sido determinado pelas licenças.
Mesmo essa forma atenuada mas ainda brutal de punição foi somente uma transição para o surgimento da punição através do encarceramento, que a partir de meados do século XVIII veio substituir toda a gama de penas aplicadas anteriormente. A intensidade do crime seria paga à sociedade somente através de um maior ou menor tempo de reclusão, através do estabelecido por uma exaustiva e clara legislação penal. Além disso, o encarceramento passa a admitir o conceito de que o indivíduo deve ser reabilitado e reinserido na sociedade. E tal reinserção só seria possível mediante o trabalho nos presídios, que incutiriam no encarcerado reflexões éticas acerca do valor das formas de produção de bens materiais e conseqüente manutenção da vida humana.
Amparado neste esquema teórico, Foucault mergulha então em temas como a pulverização do poder a partir da necessidade de conhecimento do individuou como célula produtora de valor. Passa a ser necessário conhecer o individuou, não pela importância intrínseca de suas especificidades, mas para entender quais aspectos poderiam torná-lo desviante e diminuir ou impedir sua produtividade. Assim, o indivíduo passa a ser o cerne da reformulação da medicina, do surgimento da psicologia e outras ciências, havendo repercussão direta nos mecanismos punitivos.
Adicionalmente, Foucault faz uma leitura do surgimento e aplicabilidade dos conceitos de vigilância total, materializados no Panóptico de Bentham. Esse mecanismo permitiria vigiar qualquer atividade (escolas, hospitais, hospícios, presídios e mesmo fábricas) de forma que os indivíduos estivessem isolados e o vigilante não fosse conhecido. A atividade de vigilância partiria de uma estrutura central fechada, distribuindo-se os observados em células incomunicáveis dispostas ao redor do centro. Assim obtém-se o máximo sucesso quanto à vigilância e, conseqüentemente, a produtividade, amparada na incerteza do olhar ou mesmo da existência do observador.
Esse livro foi alvo de diversas críticas, muitas vezes caricaturais, calcadas nas impressões reformistas e relativistas dos chamados “foucaultianos”. No entanto, trata-se de uma reflexão moderna e bem embasada deste problema fulcral que é a necessidade de resposta às ações tidas como negativas para a coletividade de forma a não violar a própria essência do que é ser “humano”. 


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3 Comentários:

Blogger CRDias disse...

Nobre Barro,

Curiosamente, Benthan também desenvolveu um sistema dermográfico de identificação humano visando justamente a facilitação da vigilância. Baseava-se em tatuagens de identificação individual. Sistema semelhante foi empregado nos campos de concentração nazistas, em que os indivíduos eram tatuados no braço com números que os identificavam.

Voltando ao texto, alguns aspectos punitivos que Foucault descreve vieram por terra não apenas em função do esvaecer das monarquias absolutistas, mas dada a ascensão dos valores humanos. Em especial a partir de 1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Pois é, nobre amigo. Vejo que teremos muita figurinha a ser trocada sobre questões antropológicas e criminológicas. Tenho um blog pericial desde meados do ano passado. O nome é "Ciência Contra o Crime" ou, se preferir, CCC (isso te lembra alguma coisa? rs). O endereço é www.cienciacontraocrime.blogspot.com.

Forte abç,

20 de março de 2010 às 18:07  
Blogger Renato F. disse...

Pois é Clau, o tal Bentham era viciado em controle. Queria vigiar, marcar e rotular todo mundo, a qualquer custo. E veja a consequências nefastas dessa obsessão...
Quanto à questão do surgimento dos valores relacionados aos direitos humanos, acredito que Foucault certamente pensou no assunto. Mas como ele era meio obcecado por dominação e a questão do poder, preferiu jogar luz sobre o aspecto menos difundido da necessidade de controle do indivíduo, já que o indivíduo passa a simbolizar um potencial de geração de valor. Mas é claro que a questão dos direitos humanos permeia toda a questão.

Vou dar uma olhada já no seu blog! Fico extremamente satisfeito em saber que meus companheiros de discussão (e de música) continuam destilando duas idéias aos quatro ventos.

Abração meu amigo!

21 de março de 2010 às 17:25  
Blogger Goliardos disse...

O Foucault é um autor muito interessante mesmo. suas idéias são bastante relevantes para o pensamento pós-moderno. E estudar ele é imprescindível para a compreensão de sociedade que estamos inseridos.

Abraços. òtimo Blog [Admarino Júnior]

19 de maio de 2010 às 00:45  

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